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Dos dez que vivíamos na República, dois não eram estudantes: o Serafim e o Matias. Ambos tinham sido repúblicos, no seu tempo de estudantes, tinham concluído o curso e abalado para a vida de adulto. O Matias regressou por puro comodismo, não tinha uma verdadeira (ou legítima) razão. Já o Serafim foi empurrado pela vida, que resolveu não lhe ser fácil. Divorciado, a mulher ficou com todos os bens e com a casa, deixando-lhe o caminho de regresso ao antro estudantil.
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Quanto ao Matias, não há muito a dizer. O seu quarto, em frente ao do Serafim, no piso inferior, era conhecido pelo “sarcófago”. As portadas estavam constantemente fechadas, não obstante ser o local mais procurado pois, sendo ele o único a ter televisão, isso era factor de atracção irresistível. Diga-se, em abono da verdade, que as revistas pornográficas também ajudavam, mas a caixinha mágica era decisiva.
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Dos dez que vivíamos na República, dois não eram estudantes: o Serafim e o Matias. Ambos tinham sido repúblicos, no seu tempo de estudantes, tinham concluído o curso e abalado para a vida de adulto. O Matias regressou por puro comodismo, não tinha uma verdadeira (ou legítima) razão. Já o Serafim foi empurrado pela vida, que resolveu não lhe ser fácil. Divorciado, a mulher ficou com todos os bens e com a casa, deixando-lhe o caminho de regresso ao antro estudantil.
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Quanto ao Matias, não há muito a dizer. O seu quarto, em frente ao do Serafim, no piso inferior, era conhecido pelo “sarcófago”. As portadas estavam constantemente fechadas, não obstante ser o local mais procurado pois, sendo ele o único a ter televisão, isso era factor de atracção irresistível. Diga-se, em abono da verdade, que as revistas pornográficas também ajudavam, mas a caixinha mágica era decisiva.
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Nunca o vimos a tomar banho, ou sequer a lavar-se de forma mais alargada. Os olhos e as mãos lá iam sacudindo alguma água, e isso chegava-lhe. O facto de trabalhar para o jornal da cidade devia ser suficiente para garantir a sua higiene pessoal. O “calinas”, assim era conhecido, era um vespertino que rivalizava com o “bazófias”, como carinhosamente todos tratavam o Mondego, em termos de fama. Pelos vistos, em falta de água também.
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Um dia, quando trabalhávamos afincadamente à volta de uma mesa, levantando copos e projectando ases e manilhas, o Zé Carlos entrou de rompante no “casino” e afirmou, convicto: o Matias vai casar!
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Reboliço geral. Quê, ele disse-te? Com quem? Como sabes? Estás maluco ou quê? Tens cada uma! Todos alvitravam uma hipótese, sem dar espaço à resposta. A custo, lá conseguiu o Zé explicar-se: Ele está na casa de banho a lavar os dentes! Só pode ser casório!
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Corremos todos para o local, cuja porta nunca se fechava, por opção e falta de trinco. Lá estava ele, a esfregar vigorosamente os dentes. Visão espantosa, inesperada, mesmo assustadora. Confirmou-se. Casava no dia seguinte, sábado. Tinha pena, mas já arranjara casa e ia deixar-nos. Pensava vir visitar-nos mal as coisas acalmassem. Olha lá, diz-lhe o Serafim, com quem te vais casar? Um sorriso imenso antecipou a resposta. Com a D. Amélia, ora essa.
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O nosso silêncio foi ensurdecedor. Com a D. Amélia? Com a D. Amélia? Com a nossa empregada a dias, que nos lavava a roupa, fazia de comer e arranjava a casa? A que ia ao mercado roubar hortaliça para fazer a sopa aos senhores doutores?
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Tudo isto nos passou pelos rostos, não foi preciso falar. Fê-lo ele, em resposta à nossa repetida, muda, parva e incrédula expressão. É, pessoal, ela também vai e não volta. Agora, vai tratar só de mim!
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Foi assim que deixámos de ter empregada a dias e passámos a revezarmo-nos na cozinha. Não foram tempos muito agradáveis, não. Salvaram-se as revistas, que não acompanharam o dono.
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