sexta-feira, 15 de junho de 2007

Curso de Direito de 1978

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Na República dos Pyn-guyns, na alta coimbrã, a vida processava-se com normalidade (embora o normal fosse, amiudadas vezes, bastante invulgar).
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Os que frequentavam Direito partilhavam dois quartos no andar superior, ficando outros tantos desse piso para os das Engenharias. Por volta da meia-noite, estes tratavam de se deitar, para se levantarem por volta das sete horas da manhã, para não faltarem às aulas, hora a que os jurídicos costumavam ir para a cama. Isto tinha, desde logo, a vantagem de nos cumprimentarmos, pelo menos, duas vezes por dia. A outra vantagem traduzia-se na impossibilidade prática de ir às aulas, já que estávamos a dormir, no momento em que ocorriam. Por aqui se vê, claramente, que me incluía no grupo dos homens das leis.
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Éramos, à data da minha chegada a Coimbra, cerca de três centenas e meia de miúdos a frequentar a Faculdade de Direito, deslumbrados com a cidade (universitária), a vivência (universitária) e as pessoas (universitárias). O mundo resumia-se à Universidade e a tudo que dela ou nela acontecia. Nas primeiras semanas, também éramos trezentos e cinquenta nas aulas, em anfiteatros que não albergavam mais do que uma centena, pelo que nos espalhávamos por mesas, escadas, degraus, parapeitos de janelas e demais nichos que encontrássemos.
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Ao fim do primeiro mês, poucas dezenas sobejavam: tínhamos descoberto que o curso era sebentístico, ou seja, tudo o que o lente (ou os seus assistentes, nas práticas) diziam estava plasmado nesses suportes de estudo, as famosas sebentas. Eu fui dos primeiros a deixar de me preocupar com a presença nas aulas teóricas, mal descobri que as faltas não eram contabilizadas. Na aula de abertura, o Professor Catedrático explicou o principal objectivo do Direito, a busca da paz social:
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- Mas que paz é esta? A paz dos cemitérios? A paz queda e sombria que habita o mundo dos mortos? Não! É a paz da vida, que há-de nascer na dinâmica das relações, a paz vivente e eufórica que os homens são capazes de construir!
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Pois bem, depois de comprar a sebenta respectiva, mal a folheei, que salta aos meus olhos, na segunda ou terceira página? Exactamente: “Mas que paz é esta? A paz dos cemitérios? A paz queda e sombria que habita o mundo dos mortos? Não! É a paz da vida, que há-de nascer na dinâmica das relações, a paz vivente e eufórica que os homens são capazes de construir!” Ainda mal refeito do susto, entro na aula prática respectiva e, alguns minutos após o seu início, diz o leal assistente:
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- Mas que paz é esta? A paz dos cemitérios? A paz queda e sombria que habita o mundo dos mortos? Não! É a paz da vida, que há-de nascer na dinâmica das relações, a paz vivente e eufórica que os homens são capazes de construir!
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Em abono da verdade, as palavras não seriam exactamente estas, mas o efeito era este, sem qualquer dúvida. Deste modo, mal os colegas mais velhos me confirmaram que era sempre assim, passei a ocupar o tempo com mais utilidade, ouvindo fados e baladas pela noite dentro, fumando e bebendo sem grande regra, jogando cartas e conversando, conversando muito.
Bons tempos.
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