domingo, 24 de junho de 2007

Filme maior

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Quando pensamos nisso, seja porque algo nos despertou os sentidos, seja porque nos inquiriram especificamente, não é muito fácil dizer qual a música, o filme ou o livro que consideramos ter sido "o da nossa vida". Desde logo, haverá mais do que um (de cada) e eleger apenas "o" é muito redutor, demasiado redutor. Ainda assim, vou tentar expor essas minhas preferências, de forma a publicitar também essa minha faceta privada.
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Começo pelo filme. Há uma mão cheia de filmes que me marcaram muito e, se calhar, mereciam ser destacados: Alien, o 8º passageiro (visto em estreia, no cinema, foi o primeiro filme de verdadeiro terror a que assisti, tantos foram os saltos dados na cadeira!), Jesus Cristo Superstar (musical encantador, para a idade que tinha, quando o vi) Ben-Hur (épico, reconhecidamente um dos grandes filmes americanos), Les valseuses (um filme marginal à grande distribuição, muito politicamente incorrecto), Blade runner - perigo eminente (o melhor filme de ficção científica que vi, sem deixar de gostar da Guerra das Estrelas) O caçador, Apocalipse now e Platoon, os bravos do pelotão (os melhores de guerra, juntamente com a Batalha das Ardenas e Uma ponte longe demais) Ensina-me a viver (música de Cat Stevens, do princípio ao fim, tornou uma história macabra e irónica num filme maior, embora também marginal à grande distribuição) e, mais recentemente, A Lista de Schindler (tratando a temática da coragem e da loucura, nascidas no inferno) são os dez mais que recordo (outros haverá que me escaparam, mas paciência).
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O Filme da minha vida: 1980 - Kagemusha, A sombra do guerreiro, de Akira Kurosawa.
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Sinopse (belo termo!) - Um senhor da guerra japonês é mortalmente ferido num atentado. Conhecido como "a montanha", por se manter imóvel, estrategicamente, esperando os inimigos (os outros senhores da guerra do Japão feudal), a família, temendo ser destruída se a sua morte se souber, encontra um camponês que é sósia do guerreiro e treina-o para desempenhar o papel de seu substituto. Espantado, primeiro, confiante depois, o treino corre tão bem que o sósia (após enganar a viúva e os filhos do seu anterior senhor, que não detectaram a falsidade) convence-se que é o próprio guerreiro! Comete, então, um erro fatal - tenta montar o cavalo do guerreiro, que não admite outro cavaleiro para além do seu senhor. Derrubado e humilhado, os espiões dos inimigos levam a notícia do embuste e a guerra começa a desenhar-se. O camponês volta à sua vida anterior e os filhos do guerreiro cometem, também, um erro fatal - movimentam os seus exércitos para campo de batalha estranho. A derrota acontece e é decisiva.
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Isto é o que eu recordo, quanto ao tema do filme.
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Outros dados, que o tornam único:
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Os actores são, todos, japoneses (embora se trate duma produção hollywwodesca);
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Interpretam os papéis de modo ocidental (os rostos são muito expressivos, os gestos largos e tetrais, embora sem exageros - aos nossos olhos, é claro!);
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A entrada do filme mostra-nos um exército em movimento, em vários planos, com imagens lindíssimas;
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A forma como o atentado é preparado é um mimo de imaginação (de dia, um atirador furtivo, um snipper, como se diz agora, pousa uma espingarda num muro, mede bem a posição enquanto aponta para o local onde, à noite e sem luz, o senhor do clã inimigo estará sentado. Volta à noite e, tendo a espingarda na posição estudada, dispara. Não sabe se acertou ou não. Isso só os dias seguintes mostrarão);
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Um sonho do camponês é um tratado cinematográfico: uma explosão de cores na tela, fortíssimas, que se transformam em mares coloridos que engolem tudo. Uma autêntica agressão para os olhos dos espectadores!);
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O olhar e o rosto do sósia, quando soldados se colocam à sua frente para morrerem no seu lugar, num ataque inimigo. Soberbo;
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A deslocação do exército à beira-mar, com um fundo de excepcional e rara beleza;
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A batalha decisiva não é filmada. Os rostos do líderes do clã vão mostrando o seu desenvolvimento e o resultado ... catastrófico para o lado das personagens. A expressão facial do camponês, que vê o campo de batalha escondido nos juncos, não é menos reveladora;
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Os despojos da batalha - uma visão dantesca, com milhares e milhares de personagens, humanas e animais, sobretudo de soldados e cavalos, agonizantes, feridos ou mortos, estropiados, uma coisa fabulosa.
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Deixo-vos dois clips que encontrei, no YouTube, e que são pequenos e pobres exemplos do que acima afirmo. E um pedido: se tiverem o filme, ou souberem onde se encontra, por favor digam-me (embora revê-lo possa ser a desilusão do costume, nestas coisas da memória).
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Trailer: Kagemusha (Akira Kurosawa, 1980):
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Kagemusha Breakdown (a música é pouco adequada, mas enfim!):
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