domingo, 28 de outubro de 2007

Paisagem, peixes e memórias

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Só nos últimos anos do gozo das minhas férias escolares, em Celorico, a pesca foi um passatempo assumido, embora tenha que reconhecer que os momentos que lhe dediquei foram, no mínimo, muito agradáveis.
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Pescava com o Manel, Bengalas de apelido, que o herdou porque o pai costumava resolver, as pequenas escaramuças que pelejava, com a frase “olha que te dou uma bengalada”! Bem mais velho do que eu, cedo descobriu os prazeres da natureza, ele que havia nascido no seu meio, em Fontão, e em miúdo havia abalado para o Porto, para trabalhar num banco, sem nunca deixar de sentir que perdia muito, se não regressasse, mal tivesse oportunidade, à terra mãe.
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Dono de uma passada larga, que eu mal acompanhava, embora fosse algo mais alto do que ele, o Manel era uma surpresa para mim, em quase tudo o que fazia. Introvertido, dono de um sorriso malandro que aflorava sempre que nos distraíamos, depois de me conhecer convidou-me a acompanhá-lo numa “pescaria num fundo que tinha descoberto na semana passada, cheiinho de peixes”, como me foi confidenciando. Quando soube que desconhecia, por completo, a arte, logo me introduziu nos seus segredos. Embora adorasse caçar, a pesca não lhe escondia muita coisa.
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Levou-me a sua casa, onde se podia escolher uma cana para o “novato”, como me chamava. Acabado de regressar do Ultramar, onde havia sofrido um acidente complicado, que lhe afectava a respiração, considerava que Celorico era o lugar perfeito para a total recuperação. Acho que nunca vi tanta cana junta. Rudimentares, eram todas “da índia”, a melhor cana da pesca que uma pessoa podia ter, segundo a sua douta opinião.
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Após escolher uma para si e outra para mim, fomos à Corujeira de Baixo, a um canavial, cortar uma mão cheia delas, de vários tamanhos, para eu não precisar de usar as suas, no futuro. Ensinou-me a escolhê-las, a limpá-las da ramagem e a pendurá-las, em local abrigado, para secarem sem entortar. Só no verão seguinte estariam prontas, mas até lá as dele chegavam e sobravam.
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Veio, depois, a difícil aprendizagem de preparar o isco. Boroa molhada em azeite, amassada em pequenas bolas, constituía o primeiro que tinha que fazer (a minha tia franzia o sobrolho, com o destino do seu apreciado azeite). Depois, apanhar moscas, com um gesto rápido da mão, esmagando-lhe a cabeça “para manterem o aspecto de mosca viva, com asas e tudo” (ah, isso está bem, que nos livras dalgumas dessas pestes", dizia ela) - ficava assim pronto outro isco. Numa zona muito húmida, perto de sua casa, estava o terceiro tipo de “atracção fatal” para peixes. As larvas que se banqueteavam com uma sardinha que tinha enterrado alguns dias antes eram os famosos “morcões”, que os habitantes do rio não desdenhavam. Por último, a minhoca, só encontrada em lameiros que ele bem conhecia de outras andanças – as da caça, que lhe serviam para descobrir tudo o que precisava.
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Quanto a linha, anzóis, tensos, bóias e chumbos, ele fornecia “desta vez”. Na próxima, tinha que me desenrascar. Difícil, difícil, era fazer tensos. O chumbo, enroscado na linha quando em fita, ou apertando o fio de pesca no centro da esfera, quando tinha esse formato, ainda ia. Agora dar o nó de pescador no anzol, de forma a ficar seguro e direito, era uma dor de alma!
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Tudo corria bem, nos preparativos. Quando já estava tudo pronto, e a hora da janta se aproximava, veio a notícia menos agradável: sairíamos às 03h30 da manhã, para chegarmos ao Tâmega ao nascer do dia! Convinha ir assim cedo, para voltar antes do aperto do calor. Ah, e convinha levar um bom merendeiro, pois a “fominha ia apertar, ia, ia”!
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Ainda sem me aperceber muito bem no que me tinha metido, às 03h00 levantei-me (os meus tios assistiam à minha proeza com um sorriso largo, eles que começavam a trabalhar, todos os dias, mais ou menos às 05h00, e que estavam fartos de saber o que me custava levantar, de manhã), peguei no merendeiro antes preparado, na cana, na cesta, enfim, em mim mesmo, que bem precisava, e fui ter com um Bengalas já impaciente, ao cruzamento da Boavista.
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Foi uma das coisas que fiz, como adolescente, que jamais esquecerei. A caminhada brutal, de cerca de uma hora, até ao rio Tâmega, ao seu vau mais famoso, onde íamos começar a nossa pescaria; na chegada, uma espectacular raposa que nos esperava, bebendo desconfiada do lado de lá do rio - foi o Manel que ma apontou e me fez sinal para aquietar, para a apreciarmos durante mais tempo; o hipnotizante e sinuoso Tâmega, belíssimo e dono de fama terrível, que dizia que todos os dias tinha que comer algo vivo; corujas, falcões, coelhos e perdizes, a vida a pulular e a pintar a paisagem de pormenores fantásticos.
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Depois de lançar algumas linhas “ao fundo”, bem carregadas de isco e amarradas a arbustos, na margem, para recolher à volta, começamos a pescar à bóia, seguindo a correnteza, parando aqui e ali, se era “um bom pesqueiro”, voltando a seguir, passando de uma margem para a outra, sempre que era possível ou a isso éramos obrigados pelas zonas intransitáveis.
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Aprendi a conhecer e a distinguir os escalos, as vogas e os barbiscos, espécies que dominavam o rio nesse tempo. Mais tarde chegaram as trutas. Hoje, tanto quanto sei, já pouco ou nada por ali se vê. Custos do desenvolvimento, com a poluição a destruir quase tudo … haverá retorno?
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Quanto à pescaria, correu bem. Sorte de principiante, pesquei mais do que o Manel, sendo o último um magnífico exemplar de voga, a pesar mais do que um quilo. Chamei o meu amigo Bengalas e exibi-o, gritando: “olha Manel, o pai deles todos está aqui”.
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Pouco depois chegou a hora de regressarmos. Quando íamos arrancar, depois de retirar mais dois peixinhos dos lançamento ao fundo que havíamos feito, ele, como quem não quer a coisa, bateu na testa, tirou uma voga enorme do seu cesto, bem maior que a minha, e disse: “Já me esquecia, mas quando fiquei para trás, há pouco tempo, naquela curva mais apertada, apanhei o avô. Foi fácil, ouviu dizer que o filho e os netos tinham ido passear e resolveu acompanhá-los!”
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domingo, 21 de outubro de 2007

Segredo e reserva

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Voltando aos (ou volteando nos) conceitos próximos, e realçando que não se pretende aceder a qualquer positivismo, tratamos hoje de segredo e de reserva. Parece que são termos de alcance diferente – maior aquele, mais restrito este. Mas não é assim ...
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Os segredos são uma condição. Temo-los em função do que conhecemos e, sobretudo, do que escondemos. Podem nascer noutro e viajar na nossa direcção, ou podemos produzi-los. Em todo o caso, implicam um acto objectivo de ocultação. Questionados, negamos o seu conhecimento; não havendo perguntas, nada dizemos. Até uma dada altura, até que algo aconteça. A partir desse momento, dessa ocorrência, é legítimo, é mesmo imperioso que o divulguemos. Não está certo carregar os segredos para o túmulo - até porque isso vai obrigar à sua procura, posterior, com as dificuldades e os insucessos que a história documenta.
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Os segredos são incorrectos, no sentido em que os outros pensam que os devem conhecer e que não agimos bem ao guardá-los. Se sabem que temos segredos, não mais nos largam – querem conhecê-los de imediato e não entendem porque os continuamos a esconder. Podem não fazer a mínima ideia do que são, se são ou não importantes para si, mas isso é irrelevante. Se há um segredo, movem céu e terra para o desvendar.
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Quando os divulgámos, por que chegou o tempo ou aconteceu o que era condicionante, ou mesmo porque não fomos capazes de os guardar, sentimos tristeza, por perder algo, e muita satisfação – já não precisamos de continuar calados, podemos falar no assunto, agora com conhecimento de causa. Afinal, fomos nós que o lançámos no mundo!
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Já a reserva é algo pessoal, não tem origem noutros, não é transaccional. Temo-la desde muito cedo, num ou em diversos campos em que nos movimentamos. Alguma acompanha-nos pela vida fora. É um suporte essencial para a sanidade mental, para o bem-estar, para um sentimento de realização pessoal. Em situação normal, a nossa reserva não transpira, logo não é, muitas vezes, sequer acossada. Passa despercebida, camuflada.
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Mais uma vez, os outros com quem lidamos consideram errado que tenhamos este mundo privado. Também insistem. Por vezes, raramente mas acontecendo, desvendamos uma delas, ou a única. Quando o fazemos, nunca é por ter chegado o tempo ou ter-se verificado a condição. Nem sequer resulta da insistência do outro. Apenas porque achamos que esse outro merece a partilha, que não devemos privá-lo deste pedaço de vida que reservámos. Puro engano. Ainda que tal se revele só muitos anos depois, esse acto será sempre um erro, grosseiro. O outro nada ganha com o desvendar e nós perdemos muito – muitas vezes tudo.
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É saudável ter uma área da vida reservada. É bom manter essa reserva, para os momentos (que sempre surgem) menos bons. É aceitável que o outro a tenha e é adequado não a procurar – e nunca solicitar que no-la revelem é uma boa forma de (con) viver com o outro.
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Eu tenho algumas reservas. Os segredos da minha vida estão revelados. Vou ter mais alguns segredos, que irei divulgar. Mas o que reservo na minha vida é para continuar assim.
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terça-feira, 16 de outubro de 2007

Viagem ao centro da arte

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Silent Movie, La Dernier Folie ou A Última Loucura, de Mel Brooks. Entre outras coisas, Marcel Marceau como única personagem que ... fala, num filme mudo.
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As pistas que um filme destes dá ... létes luque ate a treiler:
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Apreciem um pouco mais do humor que nos foi legado - e que hoje tão pouco se usa!
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Desejo-vos uma boa 4ª feira - eu sei que vou ter!
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sábado, 6 de outubro de 2007

O Monte da D. Adília

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Esta publicação, a última relativa às férias, é dedicada a duas pessoas, de quem gosto particularmente: à Fatinha de Amares, pelas (boas) evocações que lhe provocará, e à Helena, já que todos os seus discursos sobre o (também seu) futuro passam por um monte alentejano, como este que aqui se apresenta.
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A ambas, que as memórias e os sonhos sejam, sempre, coisas boas e perduráveis. Ou, quem sabe, concretizáveis.
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Almograve

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A Praia de Almograve foi o último local que descobri. Foi, também, a praia mais encantadora que conheci.
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Embora muito belas, as imagens não fazem justiça a Almograve - não registam o ambiente, a temperatura, a cor, a serenidade dum espaço peculiar e - em todos os sentidos - protegido.
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Gostei muito.
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