sábado, 21 de abril de 2007

Este sou eu, no fim do ciclo que me levou a Celorico. Com 17, 18 anos, deixei de passar férias na aldeia, na minha aldeia, e passei a visitá-la, com alguma frequência, o que ainda faço.



É a minha faceta citadina, viciosa, confortável. A troca da levada, canal aberto na encosta das serranias, por onde corre a preciosa água para a rega dos campos, pela praia de Francelos, de areia fina e clara, com o vento sempre presente e, quando não insuportável, mitigador do sufocante sol de verão.


Ali, corre a levada. Sempre que se aproxima de um dos seus destinos, as leiras de um lugar, aparece uma abertura no canal, onde uma tábua, calafetada com torrões, impede a água de parar, nos dias em que pertence a outro. São as portas do Barroco, da Corujeira de Baixo, da Corujeira de Cima, das Casas Novas, todas a significar um rasgo no caminho que acompanhada a levada, um espaço mais ou menos largo, que tinha que ser ultrapassado com um salto.


Cá, tinha as deliciosas viagens de comboio, apinhado, com amigos e cúmplices, em direcção ao sul, num tempo curto que nos despeja ainda longe das ondas, imponentes e refrescantes, algumas vezes em demasia. Passear junto ao mar, nadar na serena baixa-mar, mergulhar, atravessando as ondas da maré-alta, olhar o belo sexo ou dormitar ao sol, são prazeres merecidos.


Já por lá, o Tejo, de tons cinza, tinha dado lugar ao Farruco, pequeno rafeiro algo medroso, mas de uma lealdade incontornável. Se daquele recordo o temor sentido enquanto não era reconhecido, deste fica a certeza da sua alegria, sempre que voltava.
Nem todos os locais resistiram à acção arrasadora do tempo. O Barroco deixou de ser quintal, reintegrando-se no monte onde foi esculpido. As poças, reservatórios de água feitos de muros de pedra ou terra, logo à saída da mina ou por baixo da pedra onde a água nascia – e, no Barroco, uma das poças recolhia a água nestas condições milagrosas, escorrendo pela parede de um rochedo – ainda por lá se encontram, embora o seu número vá escasseando.


Se repararem bem, tenho um cigarro na mão esquerda, coisa parva que comecei cerca dos 14 anos, em … Celorico. Felizmente, outro tanto tempo passado e deixei de fumar. Resta a tolerância, face aos que ainda o fazem. Não me incomodam minimamente, embora me obriguem a sermão e missa cantada, relativa aos malefícios do tabaco. Coisas ….
Já o cabelo estava para a minha relação com os meus pais como o brinco ou o piercing estará para o meu filho e para mim, se ele se lembrar de tal coisa. Vou aguardando com esperança.
Também a costa marítima de Gaia está diferente, muito diferente. Felizmente, para melhor, requalificada, limpa e recuperada. Valadares, Miramar, Aguda, para além de Francelos, são locais onde dá gozo estar, hoje.


A Refontoura resiste e a sua capela, dizem-me, é património municipal. As Bessadas, onde aprendi a nadar, é hoje uma praia fluvial, motivo de orgulho para os celoricenses, paredes meias com a Biblioteca Municipal, enquadrada nos novos jardins do centro da vila – a tal do professor Marcelo Rebelo de Sousa. À data, era apenas um fio de água.


Ainda há bogalhos. Enquanto houver carvalhos, enquanto os montes e as serras forem o postal da terra, as pequenas e leves nozes, que ombreiam com as bolotas nos ramos das árvores, vão continuar a possibilitar às crianças as brincadeiras na levada. Um dos últimos lugares no desenvolvimento do país pode ser um custo elevado, mas ainda bem que Celorico cresce mais devagar que outros locais. Se por lá passarem, vão entender. Podem usar os sapatos.

1 comentário:

Eu disse...

Faz lembrar a minha terra...faz pensar nas minhas serras, na minha infância...nas minhas origens... saudades...