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Só nos últimos anos do gozo das minhas férias escolares, em Celorico, a pesca foi um passatempo assumido, embora tenha que reconhecer que os momentos que lhe dediquei foram, no mínimo, muito agradáveis.
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Pescava com o Manel, Bengalas de apelido, que o herdou porque o pai costumava resolver, as pequenas escaramuças que pelejava, com a frase “olha que te dou uma bengalada”! Bem mais velho do que eu, cedo descobriu os prazeres da natureza, ele que havia nascido no seu meio, em Fontão, e em miúdo havia abalado para o Porto, para trabalhar num banco, sem nunca deixar de sentir que perdia muito, se não regressasse, mal tivesse oportunidade, à terra mãe.
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Dono de uma passada larga, que eu mal acompanhava, embora fosse algo mais alto do que ele, o Manel era uma surpresa para mim, em quase tudo o que fazia. Introvertido, dono de um sorriso malandro que aflorava sempre que nos distraíamos, depois de me conhecer convidou-me a acompanhá-lo numa “pescaria num fundo que tinha descoberto na semana passada, cheiinho de peixes”, como me foi confidenciando. Quando soube que desconhecia, por completo, a arte, logo me introduziu nos seus segredos. Embora adorasse caçar, a pesca não lhe escondia muita coisa.
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Levou-me a sua casa, onde se podia escolher uma cana para o “novato”, como me chamava. Acabado de regressar do Ultramar, onde havia sofrido um acidente complicado, que lhe afectava a respiração, considerava que Celorico era o lugar perfeito para a total recuperação. Acho que nunca vi tanta cana junta. Rudimentares, eram todas “da índia”, a melhor cana da pesca que uma pessoa podia ter, segundo a sua douta opinião.
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Após escolher uma para si e outra para mim, fomos à Corujeira de Baixo, a um canavial, cortar uma mão cheia delas, de vários tamanhos, para eu não precisar de usar as suas, no futuro. Ensinou-me a escolhê-las, a limpá-las da ramagem e a pendurá-las, em local abrigado, para secarem sem entortar. Só no verão seguinte estariam prontas, mas até lá as dele chegavam e sobravam.
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Veio, depois, a difícil aprendizagem de preparar o isco. Boroa molhada em azeite, amassada em pequenas bolas, constituía o primeiro que tinha que fazer (a minha tia franzia o sobrolho, com o destino do seu apreciado azeite). Depois, apanhar moscas, com um gesto rápido da mão, esmagando-lhe a cabeça “para manterem o aspecto de mosca viva, com asas e tudo” (ah, isso está bem, que nos livras dalgumas dessas pestes", dizia ela) - ficava assim pronto outro isco. Numa zona muito húmida, perto de sua casa, estava o terceiro tipo de “atracção fatal” para peixes. As larvas que se banqueteavam com uma sardinha que tinha enterrado alguns dias antes eram os famosos “morcões”, que os habitantes do rio não desdenhavam. Por último, a minhoca, só encontrada em lameiros que ele bem conhecia de outras andanças – as da caça, que lhe serviam para descobrir tudo o que precisava.
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Quanto a linha, anzóis, tensos, bóias e chumbos, ele fornecia “desta vez”. Na próxima, tinha que me desenrascar. Difícil, difícil, era fazer tensos. O chumbo, enroscado na linha quando em fita, ou apertando o fio de pesca no centro da esfera, quando tinha esse formato, ainda ia. Agora dar o nó de pescador no anzol, de forma a ficar seguro e direito, era uma dor de alma!
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Tudo corria bem, nos preparativos. Quando já estava tudo pronto, e a hora da janta se aproximava, veio a notícia menos agradável: sairíamos às 03h30 da manhã, para chegarmos ao Tâmega ao nascer do dia! Convinha ir assim cedo, para voltar antes do aperto do calor. Ah, e convinha levar um bom merendeiro, pois a “fominha ia apertar, ia, ia”!
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Ainda sem me aperceber muito bem no que me tinha metido, às 03h00 levantei-me (os meus tios assistiam à minha proeza com um sorriso largo, eles que começavam a trabalhar, todos os dias, mais ou menos às 05h00, e que estavam fartos de saber o que me custava levantar, de manhã), peguei no merendeiro antes preparado, na cana, na cesta, enfim, em mim mesmo, que bem precisava, e fui ter com um Bengalas já impaciente, ao cruzamento da Boavista.
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Foi uma das coisas que fiz, como adolescente, que jamais esquecerei. A caminhada brutal, de cerca de uma hora, até ao rio Tâmega, ao seu vau mais famoso, onde íamos começar a nossa pescaria; na chegada, uma espectacular raposa que nos esperava, bebendo desconfiada do lado de lá do rio - foi o Manel que ma apontou e me fez sinal para aquietar, para a apreciarmos durante mais tempo; o hipnotizante e sinuoso Tâmega, belíssimo e dono de fama terrível, que dizia que todos os dias tinha que comer algo vivo; corujas, falcões, coelhos e perdizes, a vida a pulular e a pintar a paisagem de pormenores fantásticos.
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Depois de lançar algumas linhas “ao fundo”, bem carregadas de isco e amarradas a arbustos, na margem, para recolher à volta, começamos a pescar à bóia, seguindo a correnteza, parando aqui e ali, se era “um bom pesqueiro”, voltando a seguir, passando de uma margem para a outra, sempre que era possível ou a isso éramos obrigados pelas zonas intransitáveis.
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Aprendi a conhecer e a distinguir os escalos, as vogas e os barbiscos, espécies que dominavam o rio nesse tempo. Mais tarde chegaram as trutas. Hoje, tanto quanto sei, já pouco ou nada por ali se vê. Custos do desenvolvimento, com a poluição a destruir quase tudo … haverá retorno?
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Quanto à pescaria, correu bem. Sorte de principiante, pesquei mais do que o Manel, sendo o último um magnífico exemplar de voga, a pesar mais do que um quilo. Chamei o meu amigo Bengalas e exibi-o, gritando: “olha Manel, o pai deles todos está aqui”.
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Pouco depois chegou a hora de regressarmos. Quando íamos arrancar, depois de retirar mais dois peixinhos dos lançamento ao fundo que havíamos feito, ele, como quem não quer a coisa, bateu na testa, tirou uma voga enorme do seu cesto, bem maior que a minha, e disse: “Já me esquecia, mas quando fiquei para trás, há pouco tempo, naquela curva mais apertada, apanhei o avô. Foi fácil, ouviu dizer que o filho e os netos tinham ido passear e resolveu acompanhá-los!”
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