quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Ser feliz

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Que coisa, escolher este tema nesta altura. Ou decorrerá disso mesmo, do tempo que corre - e como corre! Nas carteiras da primária, para além do buraco do tinteiro de porcelana, o que atraía o meu pensamento centrava-se na figura do meu Professor, alto (enorme mesmo, aos meus olhos), autoritário (o que, nos anos seguintes, viria a confirmar não ser apenas aparência) e algo "quota" (teria uns inconcebíveis 30 anos, na minha jovem mas assumida convicção). Então a D. Anaísa (ou Ana Ísa, nem sequer conheço a grafia correcta), aí com uns 50 anos, estava praticamente acabada.
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Mas a vida tem destas coisas, não dá tréguas e coloca as coisas nas devidas proporções. De facto, o que acontece é que está socialmente instituído que, aos 50, se começa um novo ciclo, de descida ou de perda, acelerada, com o imperativo do aproveitamento total do tempo, que passa a ser o tesouro maior de cada um. Mas isso é uma visão conceptual e limitada às convenções. Esse tempo existe, só que, muitas vezes, está para lá, ou para cá, desse número gordo (o 5 impede-me de lhe chamar redondo, conforme ensinamentos da minha chefe). Eu, por exemplo, sei que o passei há já uns anos. Agora, sei que nada é diferente do que aconteceu ontem ou, presumivelmente, vai suceder amanhã.
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A questão que coloco está mais voltada para a felicidade gizada como sendo um objectivo que se traçou e para o qual contribuímos com a nossa acção diária, ou seja, trabalhámos muitos anos e muito para podermos ser felizes "depois". Juntar dinheiro, perdendo anos, para atingirmos uma felicidade suprema em escasso tempo.
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Este é um engano comum, repetido, praticado insistentemente por muitos, demasiados. O que mais dói é a constatação que muitos fazem, quando são atingidos pelo murro da realidade, quando a certeza da inatingibilidade do objectivo se revela. E dói não pela impossibilidade que se manifesta, mas pela certeza do desperdício da vida passada, em busca duma meta tão inacessível quanto o santo graal. Pior. Enquanto este se apresenta, sempre, como um mito, a construção da felicidade parece perfeitamente possível, ali, ao alcance da mão.
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Vivo momentos de prazer, que pontuam um tempo monótono e rotineiro. É tão gratificante um momento de intenso prazer quanto um longo dia de trabalho? Claro que não, mas sabe melhor quando não é desvalorizado, quando não é submetido a uma miragem de felicidade. Quando vale em função do que se sente e vive, e não do que se sonha. E o dia, assim enquadrado, é fácil de saltar.
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Por isso digo, muitas vezes (não tantas quanto gostaria), que estou encantado. Por isso páro, deixo de fazer algo da rotina diária e parto para outra coisa qualquer, que adoro. Por isso me renovo, na idade que ostento, sem a esquecer; mas também sem a glorificar ou sujeitar, ao construído ou a construir.
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