sábado, 21 de julho de 2007

Embaraços

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Segunda-feira de um qualquer mês nos anos oitenta. Como vem acontecendo desde que entrei para a Faculdade, chego à República, ao fim da tarde, depois de gozar o fim-de-semana muito meu (uma notícia no semanário “O Jornal”, cujo título era “O Zé Maria desaparece às quintas-feiras sem deixar rasto” foi, muito oportunamente, colada na porta do meu quarto, pelos restantes repúblicos).
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Acompanha-me um amigo que vai trabalhar, nessa semana, em Coimbra e, ficando a dormir na República, poupa as ajudas de custo, que lhe fazem muita falta.
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Um rebuliço na casa: tinha sido recebida uma chamada da EDP informando que uma equipa iria mudar o contador da luz. Ora, os cinquenta escudos que religiosamente pagávamos, todos os meses, não resultavam de poupança que fizéssemos. Uma manigância, como lhe chamávamos, resolvia esse problema: algures, antes do contador, uma “baixada” ligava os fios da electricidade a um outro quadro, clandestino, que tínhamos no andar superior. Na primeira semana de cada mês, estava ligado o contador “oficial”. Era a semana da contagem da luz, pelo homem da EDP, e “somava” os referidos cinquenta escudos. Passada essa semana, bem como a visita esperada, desligávamos esse quadro e ligávamos o outro, Simples, eficaz e barato.
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Agora aparecia um factor novo, que a todos incomodava. Esta acção, de mudança do contador, poderia permitir que a EDP notasse a falcatrua. Havia que fazer algo, e rapidamente, já que os homens viriam daí a dois dias.
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Como fazer? Onde intervir? Como disfarçar? E como repor, depois da troca, a situação?
Quem me acompanhava, desconhecido para todos os outros, resolve dar uma pequena ajuda. Viu uma caixa de derivação, antes do quadro da luz “oficial” e pediu a um repúblico das electrotecnias que a abrisse. Confirmámos que era ali que se concretizava a “baixada”. O meu amigo disse-lhe para desligar os terminais da derivação. Feito isso, estava feito o essencial. Mas disse-lhe mais: vai buscar uma tampa de caixa de margarina, corta-a à medida, coloca-a a tapar a caixa em causa e cobre-a com estuque. Pinta toda a parede com tinta plástica, para se não notar a diferença. Depois da EDP mudar o contador, é só partir o estuque, tirar a tampa da margarina, ligar os terminais e colocar a tampa da caixa de derivação, como estava antes. Simples, eficaz e barato.
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Foi uma festa. Abraços, cantoria, jantar melhorado com bom vinho à mistura e um convidado de honra: o meu amigo, que tanto ajudara a resolver o problema.
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No fim do repasto, alguém se lembra de lhe perguntar o que fazia, em que trabalhava. Com um sorriso, que acompanhava a cumplicidade do meu, o “salvador” diz-lhes que é técnico da … EDP!
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Nunca vi, em tão pouco tempo, tanta face mudar tanto de expressão: de contentes para espantados, para preocupados, para incrédulos, para assustados para … esperançados. Afinal, era um amigo meu, portanto não deveria existir problema.
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Já agora, disse eu, é preciso que ninguém se lembre de dizer, a quem vem mudar o contador, o que fizemos e quem nos ensinou a fazê-lo!
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E voltaram os rostos satisfeitos!
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