sexta-feira, 28 de março de 2008

O futuro está aí

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Esta questão do fim do divórcio litigioso mexeu comigo. Se trato a questão de modo racional, se analiso as razões subjacentes à medida (Ideia? Projecto? Proposta? Decisão?), concordo de imediato. Numa relação a dois, se um não está interessado em mantê-la, porque diabo deveria essa relação continuar? Só se o objectivo é infernizar a vida daquele que já não quer continuar nela ….
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Mas as coisas não são assim tão lineares. Quando crescemos formatados por um modo de viver, a hipótese de o perdermos é sempre dolorosa – ainda que esse modo seja arcaico, desconfortável ou mesmo irracional.
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Num plano próximo, temos e sentimos a importância dos instrumentos que usámos sempre. Para os jovens, a vida é televisão, Playstation, computador e Internet. Afirmar que já vivemos num tempo sem estas coisas só lhes consegue arrancar um sorriso depreciativo, de quem não acredita nessa possibilidade ou manifesta uma genuína tristeza pela pobreza experimentada pelos mais velhos. Não estão disponíveis para aceitar que tal ocorreu, quanto mais acreditar que fomos felizes nessas condições!
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Mas voltemos ao assunto, que reside mais na sua origem primeira que nele mesmo. Por causa da hipótese cada vez mais concreta de o divórcio se simplificar extraordinariamente (diz-se, por aí, que até ao fim do mês de Abril a culpa deixará de ser uma das mais importantes razões para o divórcio), por também ter sido divulgado o site do “Divórcio na hora”, reparei que a questão central se prende com o casamento e não com a forma como vamos acabar com ele.
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O casamento, como forma principal de vida comum, é uma instituição que perdura há imenso tempo, secular mesmo (tendo assumido pouca importância antes do advento e desenvolvimento das religiões unitárias).
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No entanto, de há menos de 100 anos para cá, as mudanças foram tantas, no matrimónio, que dificilmente ele se manteria imaculadamente cristalizado. Basta reparar na evolução que sofreu desde meados do século XX. Até aí, com o mundo fechado na Europa, os casamentos eram de interesse, de conveniência. Dois exemplos marcantes são os casamentos de Estado (os monarcas a casar em função dos desígnios dos homens fortes do reino para manter, alterar ou desfazer uma aliança, mais ou menos duradoura, com uma qualquer potência estrangeira) e os casamentos de interesse social (para manutenção do status quo, dos estilos de vida, para sobreviver, em última análise, num mundo fechado e contrário à mudança social relevante).
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Com o aparecimento das civilizações novas ou desconhecidas, pujantes e algo anárquicas, naturalmente colonizadoras e reprodutoras da sua cultura (mesmo que dotadas de características democráticas, como é o caso da norte-americana), o casamento derivou para uma área pouco conhecida, sobretudo nas razões que levam à decisão de vida marital: os afectos. Podiam surgir, nos casamentos do passado, mas por força do andar do tempo, da adequada convivência entre o casal, ou no aparecimento dum qualquer estranho que, ao se aproximar em demasia, desatava aquele nó, muitas vezes trazendo drama, tragédia, mesmo morte.
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A verdade, nua e crua, é que o casamento passou a suportar-se em amor, ao mesmo tempo que se libertou (como toda a vida social) do jugo religioso. À religião coube a primeira resposta – dada com rapidez e eficácia. O amor passou a ser sua a pedra de toque, com isso mantendo o domínio dos cordelinhos, tecidos por outros.
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Já a lei, a ordenação e organização da vida das pessoas e, sobretudo, da família, nunca souberam tratar do assunto muito bem. Por muito tempo, a estratégia foi permitir a auto-regulação, ou seja, de alguma forma, manter a tutela religiosa. Mais tarde, a proliferação de normas só complicou a vida das pessoas. De tal forma, que o casamento se mantinha em condições inacreditáveis, com enorme sofrimento para todos os interessados. Até as crianças entraram (e ainda entram) neste jogo perverso, com todas as consequências que sabemos e sentimos.
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Vivemos o tempo do casamento dos afectos. Os afectos são o seu motor, essencialmente a sua cola. Se faltam os afectos ….
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Ainda assim, quando me casei, a ideia do casamento para a vida dominava. Na minha cabeça, no meu ser e, naturalmente, no meu coração, o casamento é, ainda, para a vida. Outra noção confunde-me. Se calhar, por isso, os meus afectos também andarão formatados!
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Penso, ainda que algo surpreendido, que uma ideia ridicularizada nos dias que correm dominará a vida social, em pouco tempo: a do casamento a prazo, renovável e denunciável a todo o tempo. Nessa altura, o divórcio será um facto histórico e curioso, estudado apenas por alguns.
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