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O Inverno, na aldeia minhota, tinha (ainda terá?) duas épocas distintas: de Dezembro a meados de Fevereiro era fechado, com húmido recolhimento e saídas pontuais para responder às necessidades do dia-a-dia, penso para o gado, lenha para o lume, alguma poda serôdia; já a segunda metade tinha outra vivacidade, com as pessoas a sair em cada aberta, a preparar terrenos e sementes, plantar batatas e semear cereais, os primeiros, que produziriam também os primeiros bens terrenos.
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Celorico, no fim do inverno
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O que mais me agradava, nas poucas vezes que ia a Celorico nesta época, entroncava na melancolia da paisagem e na água cristalina, cantando pelas bordas das leiras ou explodindo tumultuosamente do leito da levada, incapaz de penetrar na terra ensopada e regressando às suas origens na primeira oportunidade.
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Também apreciava o batuque do tear, que tinha redobrado trabalho nesta época de pousio, podendo a minha tia Augustinha dedicar-se mais à sua arte dos tecidos, no lugar da lide agrícola, que lhe tomava o tempo quase todo no resto do ano.
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A entrada para o tear, na casa dos meus tios, entretanto vendida.
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A cor das laranjas, palhotas e pouco ou nada doces, já de si pouco atraentes no aspecto, com o negro da terra impregnado na casca, carregado pelo vento e pela chuva, destacavam-se no verde pesado das árvores. Mirravam nos finos dedos das torres que as suportavam, ou melhor, que as largavam com muita regularidade em chão pejado de estrepes, restos da cana do milho que saíam do solo em afiados cortes oblíquos, armadilhas dolorosas para os que, como eu, também neste tempo frio e aguado, andavam descalços por tudo quanto era sítio.
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A única opção existente eram os socos do meu tio, quando eram por si rejeitados face à sua vetustez ou degradação, ou ainda quando esperavam os protectores pedaços de pneu, que evitavam o desgaste precoce mas, ao mesmo tempo, os colocavam na minha trajectória de pesquisa.
Uma das diversões do fim do dia, quando este crescia e clareava, consistia no exercício que o meu tio facultava ao cavalo, para que os músculos se não atrofiassem e a noite de sono fosse mais repousante. Um de nós, normalmente eu, ficava junto da casota do Tejo (sobreviveu, por muitos anos, ao seu ocupante), no intuito de impedir a fuga para sul, ficando o meu tio no lado contrário, no topo da costeira, com o mesmo fito, embora permitindo ao cavalo virar à esquerda e usar um corredor, sem saída, com cerca de duas dezenas de metros de extensão.
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Solto, o cavalo carregava na minha direcção e eu, com uma dezena de anos, levantava os braços, segurando numa bengala e gritando a plenos pulmões para o obrigar a parar. Não era uma questão de medo, era terror puro! Aquela massa brutal virada a mim, em velocidade acelerada, era uma visão terrífica!
Solto, o cavalo carregava na minha direcção e eu, com uma dezena de anos, levantava os braços, segurando numa bengala e gritando a plenos pulmões para o obrigar a parar. Não era uma questão de medo, era terror puro! Aquela massa brutal virada a mim, em velocidade acelerada, era uma visão terrífica!
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No entanto, o que acontecia era sempre o mesmo. Quando estava a meia dúzia de passos da minha pessoa, o cavalo parava, deslizando no chão e projectando uma enorme quantidade de terra e poeira que se depositavam por todo o meu corpo. Ainda não tinha conseguido recomeçar a respirar, já o animal tinha virado e corria direito ao meu tio, que só levantava os braços no último momento.
No entanto, o que acontecia era sempre o mesmo. Quando estava a meia dúzia de passos da minha pessoa, o cavalo parava, deslizando no chão e projectando uma enorme quantidade de terra e poeira que se depositavam por todo o meu corpo. Ainda não tinha conseguido recomeçar a respirar, já o animal tinha virado e corria direito ao meu tio, que só levantava os braços no último momento.
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À noite, à mesa, o assunto da conversa entre os meus tio era sempre o mesmo: a cara que eu fazia no momento crucial! Ambos se riam e comentavam que eram dignas de se ver, as caretas que eu fazia.
À noite, à mesa, o assunto da conversa entre os meus tio era sempre o mesmo: a cara que eu fazia no momento crucial! Ambos se riam e comentavam que eram dignas de se ver, as caretas que eu fazia.
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Mais a sério, o meu tio comparava, amiudadas vezes, o meu comportamento corajoso (achava ele!) face ao do seu filho mais velho, antes de casar e abalar para Coimbra, onde ainda vive. Ficava no lugar que ora me destinava, no exercício hípico, e o ritual era costumeiro. O meu tio soltava o cavalo e gritava para o filho: ele aí vai, Avelino! Ao que respondia o filho: ele aí vem, meu pai, ele aí vem … e ele lá vai! Porque, em vez de o parar, cautelosamente fugia para o lado, deixando-o passar e ir correr montes e vales, até o meu tio o conseguir resgatar.
Mais a sério, o meu tio comparava, amiudadas vezes, o meu comportamento corajoso (achava ele!) face ao do seu filho mais velho, antes de casar e abalar para Coimbra, onde ainda vive. Ficava no lugar que ora me destinava, no exercício hípico, e o ritual era costumeiro. O meu tio soltava o cavalo e gritava para o filho: ele aí vai, Avelino! Ao que respondia o filho: ele aí vem, meu pai, ele aí vem … e ele lá vai! Porque, em vez de o parar, cautelosamente fugia para o lado, deixando-o passar e ir correr montes e vales, até o meu tio o conseguir resgatar.
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A relação entre o meu primo e os cavalos não foi, nunca, muito íntima. Mas lá diz o povo, em todas as famílias há, quase sempre, quem não saia aos seus.
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